sexta-feira, 4 de maio de 2007

Da série Admiráveis encontros 4

Ao longo dos tempos, em situações completamente prosaicas, sem nenhuma preparação ou arrumação, mantive inopinados encontros com pessoas, que considero estelares. Algumas que sempre admirei, outras pelas quais sempre tive uma certa queda, e ainda, uma ou outra que gostaria não ter encontrado.

Esse, porém, foi um encontro marcado, preparado, muito bem programado, mas só deu certo porque tudo deu errado e acabou sendo fantástico.
Eu era ainda um adolescente e acabara de descobrir, maravilhado, que havia uma vertente, até então impensável, para a música e por extensão para a vida. Passou a ser possível expressar sentimentos de uma forma verdadeira, raivosa, sem necessidade de ser romântico, e mais, tinha vida inteligente na música brasileira. Já era possível ouvir em nossa língua, coisas, até então, só faladas em inglês.
Morava em Belo Horizonte e fiquei sabendo que o show do novo ídolo aconteceria em Vitória, no Espírito Santo, num único dia, ou noite, no estádio de futebol. Feita a contabilidade somando: passagem, rango e ingresso, o sonho era impossível para um estudante que vivia de mesada.
Mas a vontade de ir se impunha e virava necessidade. Uma possibilidade apareceu, possível, uma verdadeira aventura, mais uma, pra quem apenas começava a descobrir a vida.
Para encurtar a história, embarquei num trem (de verdade) que fazia Belo Horizonte X Vitória em exatas 22 horas. Era um misto de trem de carga e passageiros. Nenhum conforto, bancos de madeira, um vagão boteco em vez de restaurante e muito, mas muito sacolejo.
Mochila nas costas, a grana do ingresso e mais uns trocados no bolso e o sonho se tornando realidade. A viagem é uma história à parte que um dia contarei.
Cheguei em Vitória já no início da noite, exatamente quatro horas antes do show. A noite estava escura e raios desenhavam figuras muito loucas por todo o céu. Corri para o estádio, literalmente e me deparei com uma fila enorme, desorganizada, mas muito divertida.
Consegui comprar o ingresso e entrar. Um palco mambembe estava armado onde seria uma das traves. Já enturmado procuramos um bom lugar. Cantávamos e bebíamos e fumávamos naquela expectativa, que muitas vezes é tão boa, ou melhor, do que muito show.
Faltando uma hora e meia para o início previsto, São Pedro abriu a tampa. A tempestade que caiu foi uma coisa de cinema, com efeitos especiais de som e imagem. A ventania praticamente desmanchou o palco. O gramado, onde estávamos, virou piscina. Um caos! E o pior que duas horas depois continuava chovendo muito.
Claro que o show foi cancelado. Nada de mau humor, era tudo festa. Aí uma das moças da turma, me cochichou: “sei qual é o hotel que eles vão ficar e conheço um cara da banda”. Corremos para lá. Quando digo corremos é literal, não rolava dinheiro para ônibus e nenhuma possibilidade de carona, ensopados como estávamos.
Na porta do hotel já se formava uma pequena turma. Logo apareceu um ônibus e os músicos começaram a descarregar os instrumentos. Minha “anja” reconheceu ou conheceu o tal músico e depois de uma rápida conversa, entramos ajudando a carregar as coisas. Um andar estava reservado para a galera e logo acabamos num dos quartos, onde se comemorava o aniversário do batera. Muitas garrafas e fumaça e a noite foi ficando animada. De repente a porta foi escancarada e o grande astro e ídolo fez uma entrada sensacional. Vestido com um paletó de terno cinza e sunga e trazendo um violão e amigas, entrou RAUL SEIXAS.
Sua presença provocou, como sempre acontecia, uma descarga elétrica no quarto. Parecia uma apoteose carnavalesca, todos falavam, gritavam, dançavam, cantavam e parecia que não teria fim. Mas aos poucos fomos nos acalmando e o resto da noite cantamos e rimos muito com as estórias do Raulzito.
Foi o melhor SHOW da minha vida, pelo preço de um ingresso que no outro dia seria devolvido, mas meu trem saía logo cedo.



Não Quero Mais Andar na Contra-mão
Raul Seixas
Composição: Versão de No No Song, de Hoyt Axton

Hoje uma amiga da Colômbia voltou
Riu de mim porque eu não entendi
Do que ela sacou aquele fumo rolou
Dizendo que tão bom eu nunca vi
Eu disse não não não não
Eu já parei de fumar
Cansei de acordar pelo chão
Muito obrigado eu já estou calejado
Não quero mais andar na contra-mão
Da Bolívia uma outra amiga chegou
Riu de mim porque eu não entendi
Quis me empurrar um saco daquele pó
Dizendo que tão puro eu nunca vi...
Eu disse não não não não
Eu já parei de 'hunfz
Cansei de acordar pelo chão
Muito obrigado eu já estou calejado
Não quero mais andar na contra-mão
Titia que morava na Argentina voltou
Riu de mim porque eu não entendi
Me trouxe uma caixa de perfume ê ê
Daquele que não tem mais por aqui
Eu disse não não não não
Não brinco mais carnaval
Cansei de desmaiar no salão
Muito obrigado eu já andei perfumado
Não quero mais andar na contra-mão
Isso é tudo pessoal...





















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