Bete podia ver como ele sabia manusear bem uma arma. Não que ele estivesse se exibindo. Era uma coisa natural, assim como alguém que passou a vida desenhando e, portanto, sabe o que fazer com um lápis.
Bete pensava com uma ponta de rancor, como era gostoso acabar de trepar e ficar abraçada, curtindo o corpo amolecido pelo cansaço e pelo prazer. Mas já se acostumara com o Zeca. Para ele conversar e trepar eram obrigações que fazia para manter um mínimo de relacionamento social. Conversar era raro. Mas para trepar mostrava maior interesse e competência.
Ela se levantou e foi até o banheiro. Quando saiu viu que Zeca já estava com a arma carregada e brincava de mirar nos objetos do quarto.
— Por que a gente não sai um pouco, vai a um cinema, ou dá uma volta por aí? —
Perguntou já sabendo a resposta.
— Hoje não. Tô esperando um telefonema. — Respondeu ele, parecendo descobrir algum ponto que não brilhava na arma.
— Telefonema? De quem?
— Trabalho. — Se levantou e foi para o banheiro.
Ela então pegou a 9mm e começou a passá-la pelo corpo. No fundo sentia um certo ciúme daquela coisa fria, prateada e sem vida, ou o que é pior, que tirava vidas. Passou-a pelos seios colocando o bico de um e do outro, no orifício do cano. Depois desceu pelo peito, barriga e chegou até a vagina. Experimentou enfiar um pouquinho. O aço gelado a fez estremecer de leve, mas o contato a umedeceu e ela empurrou mais um pouco. Fechou os olhos e com as duas mãos, foi fazendo o movimento de vai e vem aumentando rapidamente o desejo e o prazer. Seus gemidos ficaram mais intensos e rápidos. As mãos ágeis aumentaram o ritmo. Abriu mais as pernas e, esquecida do mundo, gozou esplendidamente, numa excitação incomum. Manteve a 9mm lá dentro até se acalmar. Sua respiração foi ficando mais lenta, o corpo coberto de suor, foi relaxando. Abriu os olhos.
Zeca estava encostado na porta do banheiro. Bete se assustou e retirou imediatamente a arma de sua vagina, limpando-a no lençol, envergonhada e culpada.
Mas uma rápida olhada a surpreendeu, ao ver uma fantástica ereção. Correu para ele e, ali mesmo, se ajoelhou a seus pés.
Zeca, pela primeira vez, gemia, quase urrava, agarrando-a pelos cabelos e aumentando o vai e vem de sua cabeça. Os dois pareciam executar uma coreografia bem ensaiada.
Ele a puxou e jogou-a na cama, de bruços como eles gostavam. Pulou sobre ela que já abrira bem as pernas para recebê-lo.
Bete estava muito excitada, mas também muito surpresa. Conhecia Zeca há dois meses. Não sabia quase nada sobre ele. Só que era caladão, meio misterioso, mas um bom homem que a tratou com respeito e lhe deu um abrigo, já que perdera o emprego na boate e não estava conseguindo arrumar dinheiro facilmente. Zeca foi, na verdade, seu décimo cliente de rua.
A diferença para os outros foi marcante. Todos queriam saber o preço, o que ela fazia, e sempre tentavam um abatimento. Zeca não. Não perguntou nada. Olhou para ela de cima abaixo e com um gesto de cabeça a chamou. Foi andando com passos largos na frente e ela tendo que dar umas corridinhas atrás.
Mas a sua surpresa, naquele momento em que ele realmente a amava, era que, apesar de ser um homem bom, Zeca parecia não ligar muito para ela. Cumpria uma obrigação. E ela vivia satisfeita.
Bete mexia alucinadamente seus quadris, enquanto ele, suando em bicas, aumentava cada vez mais o ritmo. E ela teve certeza, em algum momento, ele sussurrou em seu ouvido um singelo “eu te amo”.
O telefone. Bete só se deu conta que o telefone estava tocando, quando para seu desespero, ele saiu de dentro dela e se afastou.
Buscando fôlego Zeca atendeu:
— Alô... Sim, sou eu.
—...
— Eu já disse que não está comigo.
— ...
— Que horas ?
—...
— Tá certo.
Desligou e, sem nem olhar para Bete, foi para o banheiro. Ela pode ouvir a água correndo do chuveiro e sentiu que sua frustração não conseguia desmanchar a felicidade que teimosamente tomava conta de todo seu corpo.
Naquela tarde Bete não conseguiu parar de pensar no que havia acontecido. Seus sentimentos se misturavam provocando ondas de felicidade. Seus pensamentos e gestos eram de uma jovem e dedicada esposa que se prepara para a volta do maridinho que foi trabalhar.
Pela primeira vez, enquanto ajeitava o quarto cantou, em voz alta, aquela música do Fábio Júnior, que era a sua predileta quando tocava na boate.
Procurou na bolsa alguns trocados e correu para a rua, trazendo uma garrafa de cerveja e dois pastéis, sem conseguir evitar uma gostosa gargalhada, quando o rapaz do botequim fez um comentário sobre sua cara de felicidade.
Gostaria de ter flores por toda a casa, mas não havia mais dinheiro. Arrumou a mesinha com toques de romantismo e separou aquele vestido que nunca mais havia usado, desde o batizado da filha de uma colega.
Quando considerou que estava tudo pronto, deu mais uma olhada para se certificar que não faltava nada. Correu para o chuveiro, se acariciou com o sabonete. Usou o aparelho enferrujado do Zeca para raspar debaixo dos braços e passou um pouco mais de perfume. Dessa vez não se esqueceu das virilhas.
Vestiu-se e ficou esperando. Ligou o radinho de pilha e ficou ouvindo a hora do Brasil, como se fosse um concerto de violinos para uma jovem em estado de graça.
Mas as horas passaram e nada aconteceu. Seus únicos movimentos eram ir até a janela e voltar para a cadeira. Não conseguia pensar em nada. Pois de nada sabia. Não tinha a menor idéia de qual era o trabalho do Zeca. Durante dois meses ele só saiu de casa cinco vezes. Sempre nas mesmas condições. O telefone tocou, ele atendeu monossilabicamente, se arrumou e saiu.
Em todas as vezes que isso aconteceu, ele voltou horas depois. Parecendo cansado e desanimado. Chegou, comeu qualquer coisa e dormiu pelo menos umas dez horas seguidas. Acordou bem disposto e lhe deu dinheiro para comprar uma comida mais honesta, como ele mesmo dizia.
Ela nunca lhe perguntou qual era o trabalho. Um pouco pelo jeito dele, de pouca conversa, um pouco pelo receio de saber a verdade e não ter mais sossego.
E Zeca não voltou. Nem naquela noite, nem no dia seguinte. Uma semana inteira se passou. Bete não tinha dinheiro para nada. Por sorte a senhoria, uma senhora de bom coração, se compadeceu de sua sorte e lhe deu comida e um prazo maior para o aluguel. Mas a cabeça não conseguia parar de imaginar coisas. Um aperto de dúvida pungia seu coração. E ela não era uma mulher de iniciativas. Quando o rapaz do botequim lhe sugeriu que fosse procurar Zeca nos hospitais, necrotérios e delegacias, ela agradeceu, e correu para a cama onde chorou por algumas horas.
Seus únicos momentos de tranqüilidade e até de prazer, era quando se lembrava ou sonhava, nos raros momentos que cochilava, com a última trepada. Via perfeitamente Zeca parado na porta do banheiro, olhando para ela brincando com a 9mm. O rosto dele estava petrificado, mas seus olhos faiscavam paixão e desejo. E ele caminhava até ela, tirava a arma de dentro dela, com carinho, e ia entrando devagar, milímetro a milímetro, até que seus corpos se juntavam num abraço demorado e cheio de ternura.
No décimo quinto dia o telefone tocou e ela quase não conseguia atender, tamanho o susto. Nem se lembrava mais que ali havia um telefone. Aliás, nada naquela casa possuía algum significado para Bete. As coisas se transformaram em objetos espaciais que apenas delimitavam o ambiente. As únicas coisas que ela às vezes se pegava olhando eram os pastéis e a garrafa de cerveja, que ainda esperavam por Zeca sobre a mesa.
Com o coração descontrolado correu para o telefone em pânico e com receio que desligassem, pois não podia precisar a quanto tempo estava tocando.
— Alô. — Disse, numa voz sumida, suplicante.
Uma voz rouca de homem falou do outro lado e ela se deu conta de que não conhecia, ou já não se lembrava da voz do Zeca. Muito menos ao telefone.
— Zeca, é você? — Perguntou Bete com a voz embargada, enquanto enxugava uma lágrima que escapuliu rápida do olho direito.
— Presta atenção. Em algum lugar aí, nessa casa imunda, tem um envelope, desses comuns de carta, via aérea. Você vai achar o mais rápido possível, e vai fazer o seguinte: coloque-o dentro de outro envelope, feche bem com cola, e vá até a pracinha que tem aí perto. Senta em qualquer banco e espera.
Fez-se silêncio.
— Mas onde é que está o Zeca? — Suplicou.
— Outra coisa. — Falou o homem sem dar importância alguma à sua aflição. — Não olhe o que tem dentro do envelope, e esteja na praça em uma hora no máximo.
Bete ainda tentou perguntar alguma coisa. E pelo menos dois minutos se passaram até que ela se desse conta que o outro havia desligado. Uma aflição enorme percorreu todo seu corpo. De alguma maneira ela sabia que a vida de Zeca dependia dela encontrar e levar o tal envelope para a pracinha. Apesar de estar no seu limite físico e em estado de total esgotamento mental, Bete ainda teve um momento de lucidez ao pensar que aquilo mais parecia novela de televisão.
Um envelope comum. O quarto era mínimo. Um velho guarda-roupa, uma cômoda que mais parecia uma mini farmácia, já que ela ia jogando todas as bobagens que costumava tomar para suas doloridas menstruações, sobre o móvel, e algumas caixas embaixo da cama.
Era ali, onde ela devia começar a procurar.
Apressada, tomando conta dos ponteiros do velho despertador sobre o criado mudo, foi revirando tudo. Primeiro o guarda-roupa. Jogou tudo sobre a cama, examinou os bolsos das camisas, paletós e calças que encontrou. Depois a cômoda. Arrancou as duas gavetas e quebrou a unha na segunda, mas nem percebeu. Por último puxou as caixas de debaixo da cama e espalhou tudo pelo quarto. Nada. Nem um envelope. O desespero, o choro. Pensou em pedir ajuda à senhoria, mas recuou logo. Aquilo parecia uma grande enrascada e ela não podia colocar mais ninguém naquele horror.
Entregue ao desânimo, Bete sentou na beiradinha da cama e achou que fosse desmaiar. Não tinha mais a menor idéia do que fazer. Nunca havia vivido tamanha angústia. Apesar de tudo, sua vida sempre foi calma. A viagem para a cidade grande, os primeiros trabalhos como doméstica e, até no seu maior desvio de rota, que foi trabalhar numa boate, tudo correu com certa normalidade. Mas agora aquela história comum de moça do interior que vai para a cidade grande tentar a sorte e acaba na vida, começava a mudar e ficar muito perigosa. E tudo que ela queria e havia encontrado com o Zeca era um pouco de carinho e um mínimo de tranqüilidade. Se desse para ser feliz, como ela achou que estava sendo depois daquela trepada, seria perfeito. Do que mais precisava?
Uma olhada rápida para o despertador a fez se desesperar. Uma hora e três minutos. Mas não houve tempo para pensar. A campainha do telefone soou mais estridente do que nunca.
Antes que ela pudesse dizer alô, a mesma voz provocou um arrepio em sua espinha.
— E então?
— Não consegui achar nada — a voz trêmula — nem um envelope. Já revirei tudo.
Silêncio. Aquela sensação de vácuo que dá quando o outro tapa o bocal do telefone.
— Você tem mais dez minutos. Revire mais. Procure até dentro do cu. Ou vocês dois morrem.
Sem conseguir organizar uma explicação lógica, Bete foi invadida por uma descarga de alegria. “Ou vocês dois morrem”. Vocês dois. A voz havia dito. E lá no fundo daquela cabecinha apavorada, a certeza de que Zeca estava vivo e esperando por ela. E só ela poderia salvá-lo. Ou salvá-los. Quem sabe o sonho de uma vida sossegada, não estava naquele envelope. Era só achar e entregar. Mais nada. Zeca ficaria feliz e ela prometia toda noite, toda noite não, toda hora, enfiar aquele revólver dele na xoxota e gozar para ele e depois amá-lo, cada dia mais e melhor.
Tomada por uma coragem momentânea começou a procurar o envelope por lugares que nem podia imaginar. Olhou por trás do vaso sanitário, arrancou o armarinho do banheiro, o único quadro pendurado, uma foto de um chimpanzé escovando os dentes, a cortina, o colchão. E lá estava. No cantinho. No cantinho entre o colchão e o estrado. Seu coração deu um salto que ela teve a impressão que o sangue sairia pela boca, olhos e ouvidos. Apanhou o envelope apressadamente e saiu em disparada. Escancarou a porta e nem se lembrou de fechar. Enquanto descia as escadas e ganhava a rua, sua curiosidade foi imperativa e não respeitou nem a pressa, nem a ordem. Abriu o envelope e deu uma olhada no conteúdo: uma pequena chave. Presa na argolinha, uma pequena etiqueta trazia um monte de números. Ela fechou o envelope e continuou correndo em direção à praça. Lembrou-se que a voz no telefone mandara colocar em outro envelope e fechar. Mas, no estado em que estava nem chegou a considerar a hipótese de entrar em uma papelaria e pedir um envelope e cola. Pagar com um dinheiro que não tinha agradecer e sair calmamente pela calçada.
Quando chegou à praça, esta pareceu enorme. Sempre passava ali para ir ao botequim e nunca havia dado uma boa olhada. O lugar estava meio vazio. Algumas crianças corriam com suas mães e babás atrás. Mendigos dormiam nos bancos. O movimento de carros em volta da praça era pequeno e, àquela hora, pouca gente circulava por ali.
Bete seguiu as instruções e sentou-se no primeiro banco que viu. Tentando disfarçar o nervosismo, começou a cantar aquela música do Fábio Júnior. Uma bola bateu em sua perna e ela se assustou, mas conseguiu rir para o garotinho.
Sem que ela percebesse de onde havia vindo, um homem sentou-se ao seu lado e pousou o braço em seus ombros.
— Me dá o envelope. — Falou, como quem diz eu te amo para a namoradinha num banco de praça.
Bete, sem olhar para o "namoradinho", entregou o envelope.
— Esqueceu de colocar em outro envelope? Ele não vai gostar. Mas, tudo bem.
O homem lhe deu um beijo no rosto e se retirou tão rápido como chegou. Bete se virou e o viu já perto da esquina. Um homem de costas que nunca mais saberia quem era. Ela tentou gritar – “E o Zeca, onde ele está?” - mas de sua boca só saiu um “Zeca”, abafado por um soluço.
Se alguém, por um acaso, tivesse prestado atenção à cena que ali se desenrolou, não teria dúvida em afirmar que assistira ao rompimento de um longo namoro. E ali estava a namorada abandonada, chorando sua solidão.
Bete se arrastou até em casa. Sua cabeça dava voltas e não conseguia se fixar em um pensamento. Imagens passavam como um daqueles programas de auditório de televisão, que ela tanto gostava quando ainda tinha um aparelho de tv. Isso lá na casa dos pais no interior.
Sem se incomodar com a desarrumação do quarto, se jogou na cama e nem chegou a chorar, de tão cansada que estava.
Na madrugada, ela sonhou que Zeca a chamava. A voz dele era fraca e ela fazia um esforço danado para ouvi-lo. Mas era distante e se misturava com outros sons que ela não identificava.
Umas batidas na porta a despertaram em sobressalto. A voz da senhoria parecia aflita. Com um salto, ela foi até a porta e nem bem acabou de abrir, foi puxada pela velha, escada abaixo.
— Ele está lá na rua. Parece ensangüentado. Acho que está morrendo. — Foi dizendo a velha enquanto tentava respirar, falar e descer a escada ao mesmo tempo.
A primeira reação de Bete foi tapar a boca para não gritar. Zeca estava sentado na calçada, encostado na parede. Seu corpo todo era puro sangue. De sua cabeça ainda escorria um filete fino e de um vermelho vivo que brilhava com o reflexo da luz do poste. Bete se jogou ao lado dele e começou a limpar seu rosto.
— Vou chamar uma ambulância. — Disse a senhoria, se preparando para subir a escada.
— Não. Por favor, hospital não. Bete, me leva pra cima.
Zeca conseguiu dizer isso e desmaiou. Bete achou que tivesse morrido e não segurou um grito de desespero. O grito acabou acordando os vizinhos e estes ajudaram a carregar Zeca para o quarto.
Depois de algumas horas, quando todos já haviam dormido, Bete continuava cuidando de Zeca. Ele estava limpo e já não perdia mais sangue. Uma velha enfermeira, vizinha do lado, deu toda a assistência, mas insistiu que assim que clareasse o dia, levaria Zeca para o seu hospital.
Bete estava agora deitada ao lado de Zeca, vigiando e aguardando. Seu medo era ele não acordar mais. A enfermeira havia dito que algumas costelas estavam quebradas e o sangue todo era do ferimento na cabeça. Mas não era tão grave. Talvez fosse bom tomar uma transfusão de sangue.
Bete esperava. Zeca parecia dormir profundamente, mas não era um sono tranqüilo. Sua expressão era grave. Se não estivesse tão machucado diria que ele estava zangado.
Uma sensação de conforto e de calor no peito animava Bete. A solidariedade dos vizinhos, nos quais nunca havia prestado atenção, deixavam-na quase feliz.
Quando o quarto começou a clarear pela luz do dia e Bete quase se entregava a um cochilo, Zeca abriu os olhos. Parecia numa grande confusão mental. Tentou se levantar, mas deu um longo gemido de dor. Bete beijou seu rosto.
— Você está em casa, meu amor. Já cuidei de você. Daqui a pouco você vai estar melhor. — Ela foi falando, e segurando um choro que achava ser de alegria. — Eu fiquei muito assustada e achei que nunca mais fosse te ver. Graças a Deus que isso acabou. A gente vai viver em paz e muito feliz. O futuro...
Ele a interrompeu, sem conseguir disfarçar a dor que sentia pelo corpo quando fazia o mínimo esforço, até para falar.
— A chave?
— Graças a Deus eu achei e entreguei pra um homem lá na praça. Eu não sei que chave era aquela, mas a gente ta livre e pode viver em paz agora.
Ela disse isso com tanto fervor, que nem percebeu a sombra que passou pelo rosto de Zeca. Quando olhou para ele, percebeu que uma lágrima descia por seu rosto.
— Ainda tá doendo, meu amor? O que você quer que eu faça?
Zeca apertou mais os olhos e mais lágrimas escorreram por suas faces. Bete lambeu uma por uma enquanto sussurrava que finalmente descobrira o quanto o amava e que agora iam ser felizes. Falou em futuro e filhos. E Bete estava realmente emocionada e feliz. Mas Zeca sabia que ela estava era iludida. Que ela mesma havia entregado a única possibilidade de alguma daquelas coisas que estava dizendo dar certo. Mas como ela poderia saber? Era melhor que não soubesse nunca. Para que mais frustrações? Para que continuar sonhando um sonho que na verdade era um pesadelo. Eles não tinham chance. Eles não eram nada e nunca seriam.
E por sua cabeça passou um rápido filme onde ele via seu pai, metido em seu surrado uniforme militar, dizer para uma família orgulhosa, que agora sim, este seria um país de futuro.
Mas o futuro para ele, Zeca, acabava ali. Acabava como começou, sem nenhuma possibilidade, sem ninguém para lhe dizer: tome, pegue a chave. Você fez tudo errado, mas ainda tem uma chance. Use a chave e se liberte. Afinal, você acreditou e por isso merece. Vocês merecem. E ele não conseguia ver mais nada. O futuro era um quarto revirado e escuro. Sem chances.
Bete perguntou, tentando uma voz natural e animada, o que ele queria que ela fizesse.
Esforçando-se e lutando contra uma dor maior do que a física, Zeca lhe pediu para pegar, no fundo falso do armário, um pequeno revólver.
Ela pegou e ficou sem saber o que fazer. Zeca se apoiou nos cotovelos e, tentando sorrir, lhe pediu:
— Faz aquilo de novo, faz.
Bete hesitou. Demorou um pouco a entender o que ele queria, mas logo seu rosto se encheu de alegria e ela imediatamente tirou a roupa. Recostou nos pés da cama e abriu as pernas. Assegurou-se que dava para ele ter uma perfeita visão e, feliz com o que imaginava que fosse acontecer, enfiou o cano da pequena arma na vagina e fechou os olhos, se entregando ao prazer.
Um baque surdo a sacudiu e uma dor dilacerante invadiu suas entranhas. Ela não entendeu o que havia acontecido, mas ainda teve tempo de abrir os olhos e ver Zeca tirar o revólver de seu corpo, enfiar em sua própria boca e puxar o gatilho.
Um comentário:
Caramba Antonio, fui do começo ao fim, sem parar. Muito boa a história, muito bem contada e a Bete é tão real, as unhas que quebram, o desespero, essa chave no envelope. Muito bom, beijo, Tati
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