sexta-feira, 30 de outubro de 2009

AMOR BANDIDO

Uma paixão fulminante e perigosa.
A situação se complica,
e o detetive se envolve mais do que devia.


O dia estava ensolarado e o céu azul, um tanto quente para um dia de outono, mas já estamos todos acostumados com as excentricidades do tempo nesses tempos. Deixei a Mariluce no estúdio da televisão, onde ela mostra suas formas dançando no palco de um programa de auditório, e resolvi dar uma volta, só pra evitar o papo dos maridinhos e namoradinhos, que ficam por ali esperando suas metades temporárias.
Esperava o ônibus para ir dar uma conferida na praia da Barra, quando o celular tremeu no bolso. Não reconheci o número, mas atendi, como sempre:
- Fala quem chamou...
- É o Silva? – Perguntou uma voz feminina que podia ser conhecida.
- Hum, hum.
- Seu Silva, quem fala é a doutora Marisa, fez uma pequena pausa dando tempo para causar efeito, a legista do IML...
- Claro doutora. Como vai?
- Seu Silva eu gostaria de falar pessoalmente com o senhor, se possível hoje ainda.
Ou seja, lá fui eu trocando meu passeio pela praia, por uma longa viagem de ônibus e por um apartamento, com vista para a praia do Flamengo, mas um apartamento.
Fui recebido pela doutora e pelo marido, também médico, cardiologista como ele mesmo se apresentou. Mais à vontade em casa, a médica revelava suas belas axilas, ornadas por uma camiseta de seda, sem manga, um espetáculo. O casal parecia muito preocupado e eu pressentia meu final de semana com a Mari ir por água abaixo. Mas...
- Seu Silva eu, nós, corrigiu-se a doutora olhando para o marido, precisamos dos seus serviços.
Por um segundo imaginei coisas, mas logo a realidade se impôs.
- Estou sendo ameaçada...
- Seguida, meu bem. Não houve ameaça, por enquanto. Falou o cardiologista.
- Mas eu me sinto ameaçada.
- Muito bem, interrompi o affair do casal, deixem que eu avalie. Conta.
Marisa ajeitou-se na poltrona, chegando para a ponta, parecia querer confidenciar, mas era impossível.
- Há mais ou menos três semanas, chegou um corpo baleado ao IML. A polícia levou e deixou lá. A irmã e um amigo foram fazer o reconhecimento. O homem, o acompanhante, um cara mal encarado, bandido sem dúvida, fez um monte de gracinhas e disse que se soubesse, ela ficou corada pelo que ia dizer, que no IML tinha médicas assim, já teria morrido um monte de vezes.
Fiz força para não rir e tive que dar razão ao cara, mas é sempre melhor vivo. Perguntei o que mais acontecera.
- Depois desse dia, já vi esse homem umas quatro vezes ali por perto.
- Como assim, ali por perto? Viu como?
- Sempre no final do meu plantão. Saio a pé e caminho quase um quarteirão pra pegar o carro. E o vi lá, quatro vezes.
- Ele falou com a senhora, fez algum gesto? Seguiu...
- Se seguiu eu não vi. Fiquei muito nervosa na primeira vez, foi logo depois do reconhecimento, acabei pegando um táxi. Deixei o carro.
- Fui buscar mais tarde. Meteu-se o marido.
- E as outras vezes? Fiz a pergunta pra ela, mas ele respondeu:
- A partir daí fui buscá-la sempre. Ela espera dentro do IML, às vezes até tarde. Mesmo assim já vimos o sujeito lá.
- Já procuraram a polícia?
Os dois negaram com gestos de cabeça. Antes que eu perguntasse, ela explicou:
- Nós achamos que pode ser pior. Não sabemos quem ele é. Pensei muito e resolvi recorrer ao senhor.
Gostei. Ela tinha decidido, ela se lembrou de mim, bom sinal.
Saí convencido que estavam paranóicos, mas feliz, pois daria tempo de encontrar Mariluce na saída do estúdio, apesar do tamanho da viajem.
Mal havia cruzado o primeiro túnel o celular chamou:
- Silva, doutora Marisa. Olha tem mais coisa nessa história. Não quis dizer na frente do meu marido, ele é esquentado e pode, você sabe.
Não sabia, mas deixei pra lá. Ela queria marcar no IML, mas procuro evitar a geladeira de presuntos. Insisti e marcamos no consultório que ela mantinha no centro.
Ela estava tensa e com medo nos belos olhos. Foi direta:
- O tal homem falou comigo naquela primeira vez. Omiti isso do meu marido. Desviou os olhos um tanto envergonhada. Aguardei.
Ela respirou fundo e disse num único fôlego:
- Falou àquelas idiotices que os homens falam na rua para as mulheres. Disse que me acompanharia até o carro e por fim, quando parei um táxi, fez mil gentilezas. Não sei, mas acho que ele quer me intimidar, ou me assustar. Outros médicos já me disseram que os bandidos sempre tentam, você sabe.
Isso eu sabia, mas aquele assédio estava meio fora dos padrões.
Com a descrição que me forneceu do homem, fui para as proximidades do IML e logo identifiquei "a peça" encostado na mesa de sinuca de um boteco. Um território familiar.
Aproximei-me do mulato grande, cabeça raspada. Usava uma camiseta regata vermelha, uma bermuda branca, chinelo trançado. No peito uns colares de cores variadas, coisas de umbanda. Sorriso fácil, um tipo que se acha sedutor e irresistível. Sem dúvida o braço direito de algum chefe poderoso numa comunidade qualquer.
Meia hora depois estávamos jogando uma partida de bola sete e falando do segundo assunto que os homens mais gostam: mulheres. A minha caipirinha, ruim e a cerveja dele, faziam a conversa rolar mais cúmplice. A estória triste que inventei na hora funcionou direitinho.
- ... mas ela é casada e o marido é meu conhecido. Mas tem mulher que tira a gente do sério, faz a gente entrar nas maiores roubadas e desviar do caminho. Afirmei.
- Tem razão, meu amigo. .
Completou já doido pra divulgar seus feitos, sem o que nenhuma conquista vale a pena. Foi logo contando vantagem sobre uma médica que entrara na dele e que aos poucos ia ficando no ponto. Já prometera deixar o marido e ir viver com ele. Era uma gata maravilhosa, sempre no cio e blábláblá.
Mais uma hora e cervejas depois o cara já entregava os próximos passos:
- Só precisa de um incentivo, uma forcinha. Ta pedindo. No próximo plantão dela vou lá e levo a princesa pro meu cafôfo. Ela precisa de um homem assim.
Correu a mão pelo próprio corpo e mostrou todos os dentes, num sorriso insidioso.
Foi amor à primeira vista. Um amor bandido, paixão fulminante e perigosa. Como parar isso? Era essa a minha obrigação e eu não estava nem um pouco entusiasmado.
Mas surgiu uma oportunidade, coisa do destino. Pegar ou largar.

Continua na próxima semana.

Lembrete: Dra. Marisa aparece na aventura CRIME HEDIONDO.

Nenhum comentário: