terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fim e os meios

Adamastor era o nome do rapaz que estava na minha frente. Olhava por cima dos óculos, mexendo os olhos tristes para cima e para baixo, me enquadrando vez por outra, rapidamente. Estava ali no bar do Xará por um único motivo: falar comigo. Quem me indicou a ele foi o Fino, por tabela. Um dia o Fino comentou com um amigo que conhecia um detetive e esse amigo é amigo da mãe do Adamastor. Por isso ali estava ele, com alguma coisa a me dizer e sem saber como fazer. Tentei ajudar.

– Quer dizer que você saiu lá da Tijuca, veio até Brás de Pina

só pra falar comigo?

Ele assentiu com a cabeça, fechando os olhos e ficando vermelho. Mas não falou. Dei um gole na minha caipirinha de lima e fiquei olhando enquanto ele bebericava sua água com gás.

– Então. Fala aí... – dei um tempo. – Desembucha cara, o que

você veio falar?

Adamastor só faltou se enrolar nele mesmo, mas o susto lhe fez bem. Mais vermelho que um Papai Noel, começou a colocar para fora o que o afligia:

– Preciso da sua ajuda se o senhor puder...

– Se você me contar talvez possa ajudá-lo. Diga aí.

– Eu fui deixado na igreja na hora do casamento... – A voz foi

sumindo e mesmo me esforçando não consegui ouvir. Notei que ele chorava silenciosamente, as narinas dilatadas e os olhos semicerrados.

– Como é? Olha aqui Adamastor, vamos fazer o seguinte: quando você achar que consegue me dizer o que veio falar, você volta. Acho que você precisa relaxar. Tenho um compromisso e preciso sair...

Minhas palavras despertaram alguma coisa muito raivosa nele. O Adamastor cresceu na cadeira e cuspiu sua decepção, seu ódio e a raiva que o estrangulavam:

– Eu fui deixado na igreja na hora do casamento. A minha noiva me deixou ali plantado que nem um pé de abacaxi, na frente dos meus amigos e – nesse momento ele fez uma pausa maior, baixou a cabeça e a voz e disse quase chorando, – na frente da minha mãe.

Esperei que se acalmasse um pouco enquanto pensava no que dizer. Deve ser uma sensação horripilante ser deixado numa igreja, pela mulher, ou pelo homem que você ama, na hora em que se preparou para se entregar, deu adeus à boa vida de solteiro, ou solteira, resignou-se: é isso que eu quero, e... Mas antes que eu falasse alguma coisa ele quase gritou, com voz pastosa e gutural:

– Fugiu, saiu do carro, jogou o buquê longe e entrou em outro carro. Eu quero matar ela. – Aí mudou a expressão, a voz e a postura, cresceu, inflou o peito. – Depois de tudo que eu fiz por ela, pelo irmão dela, das promessas de amor. Ela me disse, – olhou pela primeira vez com firmeza pra mim – que era virgem e que só se entregaria depois do casamento. Ela me disse isso.

Depois do desabafo, Adamastor se fechou. Trancou a porta com tramela e ferrolho e nada mais consegui tirar do infeliz.

Prometi que ia investigar apenas para dar um conforto a ele. Era o tipo do caso sem graça. Parecia começo de novela, aliás, depois cheguei a conclusão que poderia ser uma novela ruim, mas uma novela das sete. Ele partiu e a tendência era esquecer o assunto, depois dar uma desculpa qualquer. Fui ver a Mariluce e fazer a terceira coisa das que mais gostávamos: passear de mãos dadas pelas ruas calmas e quentes, nos finais de tarde em Brás de Pina.

Mais tarde recebi um telefonema do Fino. Coisa rara e estranha. Pediu-me que passasse no bar no dia seguinte, era importante.

Assim que entrei no bar, Fino fez sinal para irmos até os fundos.

– Ta vendo aquela senhora ali, – disse apontando uma mulher saída de um filme dos anos sessenta: cabelo armado, blusa e saia meio rodada e plissada, colar imitando pérola, unhas e lábios vermelhos, – É a mãe do Adamastor. Esteve aqui ontem e disse que o filho está arrasado. Fala com ela.

Nunca tenho como dizer não ao Fino, mas que deu vontade, deu. Apresentei-me e sentei para ouvi-la.

– Isso não pode ficar assim. – Começou dizendo, firme, autoritária, o oposto do filho. – Nunca fui a favor do casamento e aquela exploradora tem que ir para a cadeia. Imagine o senhor, – continuou sem me dar chance de falar, – que o Adamastor, um menino bom, trabalhador, se deixou levar por promessas. O único defeito do menino é passar horas no computador, diz ele que fazendo amizades. Foi aí que conheceu a criminosa. Até uma cirurgia do irmão o Adamastor pagou, um dinheirão. Mas eu tenho que desmascarar essa mulherzinha. Pago ao senhor pra achar essa vagabunda, desculpe a expressão.

Um dos meus lemas é: “pagando bem, que mal tem”. Não ia dar em nada, mas se ela queria, ela teria.

Nada do que a “doce” Rosângela disse ao Adamastor batia. Consegui arrancar dele um pouco da história: “Se conheceram num chat e com trocas de fotos, se apaixonaram. Ela é do interior do Paraná, moça de prendas e desiludida, sem recursos e com um irmão doente, necessitando submeter-se a uma cirurgia urgente e cara. A relação esquentou quando Rosa, como gostava de ser chamada, disse que era virgem e se guardava para o homem merecedor, o qual encontrara na pessoa do Adamastor. Mas, só poderia se casar depois que resolvesse a cirurgia do irmão. Adamastor, que no seu perfil no site de relacionamento se apresentava como solteiro com recursos, mais do que prontamente deu seu jeito e convocou a futura esposa para trazer o menino, com os exames. Enquanto as providências médicas eram tomadas, Adamastor e Rosângela, namoravam, conhecendo-se melhor. Cirurgia realizada, desfecho conhecido, ela fugiu.”

Com uma foto ruim e verba adiantada, parti para o interior. A suposição era que a moça morava em Pitanga, centro do Estado do Paraná.

Três dias depois, a ponto de desistir, um carteiro passou por mim. Resolvi mostrar a foto. Como já disse, um bom detetive precisa contar com a sorte.

– Ué, – reagiu o homem, – essa é a Gilmara, morava aqui até pouco tempo. Depois mudou aqui pra Ivaiporã, né longe não.

Ele tinha até uma referência de onde morava a Gilmara, ex Rosângela.

A casa era simples, mas arrumadinha, num lugar quase aprazível. Ela não estava, mas a vizinha sim. Nada melhor para uma investigação do que uma vizinha.

– A Gil? Eles viajaram cedo pra Curitiba, ela o marido e o filho. O menino tá fazendo tratamento lá. Foi operado no Rio de Janeiro, com tudo do bom e do melhor, graças a Deus. A gente achava que o menino não ia sobreviver. Chegar aos sete anos foi um milagre, agora com essa operação, até já engordou, só o senhor vendo.

Dona Gilmara e o marido estão respondendo por estelionato e falsa identidade. No fundo, apesar da falcatrua, mas pelo objetivo da mesma, torço por eles, e até disse ao Adamastor que pra alguma coisa serviu a parvulez que Deus lhe deu.

Isso é tudo pessoal...

Um comentário:

Cristiano Contreiras disse...

Caro, Antonio:

parabéns pela proposta de seu espaço bloguistico! plena seriedade e postagens conceituais, com muita boa dosagem de conteudo! gostei do geral que li e vi!

te seguirei aqui e volto! abs