segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Em alto e mau som – Parte 2

Uma guitarra ameaçada.

E um longo caminho

até a verdade.

Resumo da estória até aqui: Três homens foram mortos de maneira idêntica, o que fazia supor que um “serial killer” estava agindo. As primeiras investigações apontavam um motivo: todos os três faziam barulho no Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro. Um suspeito foi logo identificado: o terapeuta que trabalhava com hipnose e mantinha seu consultório no raio de ação dos alto-falantes. Evidências apontavam para ele, mas... No momento eu observava os acontecimentos e apostava minhas poucas fichas que um pobre músico seria a próxima vítima... (ler parte 1)

Parte 2

O guitarrista tocava todo o repertório fazendo improvisações cada vez mais “viajantes”.

Fiquei de olho nele e esperando que o terapeuta aparecesse a qualquer momento.

Era preciso seguir um dos dois, a provável vítima, ou o provável criminoso. Joguei uma moedinha de cinco centavos pra cima e ganhou o primeiro. Tive de esperar até o início da noite, quando todos vão para algum lugar. O músico enfiou sua guitarra no saco e pegou o rumo. Segui logo atrás e parecia que a metade da população fazia a mesma coisa. O cara andou até a Central do Brasil, onde se pega o trem para o subúrbio. Pegamos um que ia até a última estação, em Japeri. Foi uma viagem muito animada, vagão superlotado, calor, desconforto, os únicos que não falavam éramos nós, o guitarrista e eu. Seguimos nesse trem da alegria até o final. Da estação em diante as pessoas foram tomando rumos diferentes, até restarmos apenas nós dois, ou seja, ninguém além de mim seguia o músico. Mesmo assim continuei seguindo até vê-lo entrar em casa. Uma casinha bem pequena e afastada, onde o esperava mulher e filhos. Pelo choro e vozes, muitos filhos.

Fiquei por ali um tempo até me convencer de que a provável vítima não sofria nenhuma ameaça.

No outro dia voltei ao posto de observação no Largo da Carioca. Não demorou muito a cena se repetiu, como numa peça de teatro bem ensaiada, em seus detalhes de drama e comédia. O hipnotizador desceu, brigou e subiu. A cena, como da primeira vez, foi rápida, criou um pequeno tumulto, mas em menos de cinco minutos tudo voltou ao que era antes. Um pequeno detalhe me chamou a atenção: um cara grande, cara de mau, vestindo um colete sobre a camiseta e sempre com um celular na orelha e outro na cintura, ficou assistindo a cena e assim que o reclamante se afastou, aproximou-se do guitarrista, fez um gesto sutil de aprovação e se afastou voltando para a sombra de uma árvore.

Aquilo era alguma coisa que eu não entendia ainda. Não queria ficar prolongando essa investigação, num lugar longe das caipirinhas de lima do Fino e das ruas sossegadas de Brás de Pina. Mais uma vez segui o músico até Japeri.

Quando descemos me aproximei, como quem não quer nada:

- Isso aí é um violão? Perguntei.

- Guitarra.

- Você toca em alguma banda?

- Não. – Sentiu a possibilidade de faturar. – Gravei uns cds e toco lá no centro pra

divulgar e vender. Quer comprar um, aqui. – Disse tirando um cd da bolsa.

Olhei a capa com uma foto sem foco e amarelada do próprio, com uma camisa estampada e sua guitarra. Em letras "comic sans", estava escrito: Alberico Cruz, grandes sucessos da música!

Comprei um, dez reais. Adquiri o cd e a confiança do Alberico. Andamos até uma garrafa de cerveja, numa birosca com um gato descarado puxando a luz de um poste.

- Consegue vender bem lá?

- Mais ou menos. Já foi melhor. Já vendi mais de vinte por dia. Hoje quando saem

três é pra comemorar. Ta difícil.

- Mas ta bom. Trinta por dia, cento e cinqüenta por semana... Fiz uma conta rápida.

- Antes fosse meu amigo. Aqui. – puxou do bolso uma nota de dez e três de um.

Vendi três, paguei a passagem e sobrou isso pra patroa. Nem deu pra um lanche, nem nada.

- Ué, e o resto? – Perguntei já adivinhado a resposta.

- Metade é dos home. E melhorou muito. Teve um tempo, quando o dono era outro,

que ficava com mais da metade. Mas pelo menos vendia...

- Que dono, dono do que?

- Uai, do lugar. Cê pensa que a gente chega lá, liga o som e sai tocando. – Ele

riu um tanto amargo, mas já se soltando pelo efeito da cerveja no estômago vazio.

Mais uma cerveja, agora com sardinhas, e o Alberico entregou o negócio. O dono é o cara que consegue a licença na Prefeitura, loteia e administra o espaço. Cada interessado tem o prazo de uma semana e tudo o que fatura é dividido. No "preço" está incluído o segurança. - E se não vender nada no dia?" Quis saber.

- Fica na dívida do mínimo de quinze "real". Se no dia seguinte não compensar vai somando até o final da semana. Aí tem que pagar de qualquer jeito. Se não...

- Se não o que? Ele não respondeu. Me olhou com um sorrizinho e pediu licença que a patroa esperava o dinheiro.

A viagem de volta foi longa e com dor de cabeça. Pensei nos Albericos, nos Gilmares e outros tantos.

Na manhã seguinte fui à delegacia e procurei o investigador. Fiz um relatório oral e ele disse:

- É um inferno. Parece um bando de formigas, a gente prende um, logo aparece outro.

Saí com a sensação de que nada ia mudar. Talvez nunca mude. Pensava no que dizer a mulher do Vicente e para a irmã dela, quase viúva, quando o celular me chamou e a Mariluce disse:

- Vem pra casa, vem. Não é você que vai consertar esse mundo.

A Mariluce tem sempre razão.

Isso é tudo pessoal...

Nenhum comentário: