Ao longo dos tempos, em situações completamente prosaicas, sem nenhuma preparação ou arrumação, mantive inopinados encontros com pessoas, que considero estelares. Algumas que sempre admirei, outras pelas quais sempre tive certa queda, e ainda, uma ou outra que gostaria de não ter encontrado. O terceiro encontro aconteceu, não lembro exatamente o ano, mas isso não tem a menor importância. Só posso adiantar que foi inesquecível, como os outros, com um toque a mais... Vou chamá-lo de:
A Musa diáfana
Nos anos 80, alguns aventureiros trouxeram para o Rio de Janeiro um festival internacional de cinema. Poucos anos haviam se passado da abertura política, então toda uma geração que raramente tinha oportunidade de assistir a grandes filmes, ganhadores recentes de festivais europeus, como Cannes, Berlim ou Veneza, finalmente podia ver não só os filmes como as pessoas, ídolos, que os fizeram. Para começar, no primeiro evento, o filme que abriu foi Paris, Texas, com a presença do jovem diretor Win Wenders.
Assim corríamos todos para as filas na compulsão de ver tudo e todos, exatamente como ainda é hoje, apenas com uma diferença, atualmente atores, diretores e filmes, fazem parte das “fast food” culturais.
Bom, numa das edições do FestRio, coincidentemente, para minha felicidade, que competia com um curta, foi anunciada a exibição do último filme de um dos meus diretores preferidos: Françoise Truffaut, o articulador do movimento Nouvelle Vague . O filme é o Vivement Dimanche! (De repente num domingo).
O festival acontecia no Hotel Nacional em São Conrado, zona sul do Rio de Janeiro. Não é até hoje um lugar que se vai com facilidade. Fica embaixo da favela da Rocinha. É passagem para a Barra da Tijuca, o que provoca grandes engarrafamentos, enfim, não é Copacabana ou Botafogo. No dia da abertura fui no final da tarde apanhar minha credencial, empolgado como participante e feliz por poder ver o filme do Truffaut.
Cheguei ao Lob do hotel e perguntei onde pegar a credencial. Me indicaram o décimo segundo andar. Fui pegar o elevador. Entrei sozinho e apertei o número 12. Quando a porta ia se fechando alguém gritou: “Segura o elevador, por favor!”. Segurei, correndo certo risco e olhei para ver quem vinha lá.
Em direção a mim, iluminada por um canhão de luz, se movimentando em câmera lenta, e ao som de uma "chanson d'amour" , vinha Fanny Ardant. A linda e diáfana Fanny, que veio exatamente apresentar o filme do marido François Truffaut, do qual é a atriz principal e para quem o marido escreveu o roteiro e fez o filme.
“Merci”, ela disse com a voz que só as musas possuem. Uma harmonia que me enlevou e por momentos também paralisou meus sentidos. A porta se fechou e ficamos os dois, apenas nós dois, dividindo o espaço de um metro quadrado e o ar que circulava. Para minha sorte o elevador subia lentamente e ela também ia para o décimo segundo andar.
Confesso que a emoção me travou, procurei alguma coisa pra dizer, alguma coisa que não fosse tietagem, mas foi ela quem falou: “Vous allez prendre aussi votre passaport pour les filmes?” “Ouí, j´y vais. Ça me touche, d´avoir la chance de voir le film de Truffaut”, eu disse. “Merci, c´est un très beau film”. Ela disse e pareceu emocionada. “Je ne doute pas. Ils sont tous de beaus filmes.” Consegui dizer buscando desesperadamente, nos meus labirintos cerebrais, as palavras do francês. Ela sorriu, e posso dizer: meus amigos é um dos mais belos sorrisos oferecido por um ser humano.
O elevador chegou ao andar e um batalhão esperava por ela. Na noite em que o filme foi exibido, depois dos discursos, ela subiu pelo corredor central do cinema, sob intensos aplausos, passou por mim e juro, sorriu mais uma vez e desta vez também piscou o olho. Uma coisa totalmente “Nouvelle vague”.

Estudou Ciência Política e Relações Internacionais mas foi no grande ecrã que Fanny Ardant encontrou o seu lugar cimeiro. Interessou-se por textos de Racine, Montherlant e Claudel, deixando o seu talento dramático ser conduzido pelos nomes mais importantes do cinema francês e não só. François Truffaut reparou nela na ficção e... na vida real (foram casados durante quatro anos). Filmou com Alain Resnais, não resistiu aos apelos de Hollywood na produção histórica Elizabeth, em que quem brilhava era Cate Blanchett, e foi uma das 8 Mulheres de François Ozon (logo tinha de ser a mais lânguida e ousada, perfil que culmina no ambíguo beijo na boca dado a outra musa, Catherine Deneuve).

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