quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ane por ela mesma. Aqui estamos nós... 7

                                                                 Foto da internet - sem crédito

Hoje quero começar a contar a história de Ane. O típico relato sobre o qual dizemos: isso dá um livro (dará), e por que não um filme?
Evitarei fazer comentários ao longo da narrativa, ou emitir opinião. Ao final, se tivermos estômago, vamos poder expressar nossos sentimentos.

Contarei o que ela mesma narrou dando-lhe a palavra, por vezes, o que nos trará mais realidade, mais dramaticidade ditas por quem viveu experiências inacreditáveis, inconcebíveis a seres humanos em pleno século 21, mas revelador de aspectos obscuros da condição humana.
Ane tem hoje 22 anos, embora pareça menos, não obstante as privações e provações pelas quais passou. Sua aparência chama a atenção: é alta para os padrões brasileiros, por volta de um metro e setenta e dois resultado de uma união improvável, pai nissei e mãe descendente de italianos, o que lhe proporcionou uma beleza rara. Não é nem mesmo aquele tipo de beleza exótica é muito mais do que isso. Mas o objetivo não é esse.

É ela quem começa a contar:

“Nasci no interior do Estado do Paraná, em um município muito pequeno que só existe por causa das plantações de soja. A fazenda onde fui criada fica a mais ou menos 15 km da cidade. Foi lá que o destino, e a mão do proprietário das terras juntaram dois filhos de emigrantes, algo imposto para acobertar uma gravidez indesejada, que poderia criar sérios problemas no futuro, para o filho do patrão. Coisas como denúncias e herança. Nada bom para quem, como o pai, tinha aspirações políticas”.
“Dessa gravidez nasceu meu meio irmão, Pedro. Nasci três anos depois fruto do amor que acabou acontecendo entre meu pai e minha mãe, apesar de todas as dificuldades”.

Pedi a Ane que falasse um pouco dessas dificuldades, mas ela continuou sua narrativa, com objetividade. Entendi que preferia passar rápido por este assunto.

“Alguns anos depois, eu estava com nove anos e Pedro iria completar doze. A semelhança entre ele e o filho do patrão era tanta que seria impossível não ser notada. Nada disso diminuía o amor que meus pais tinham por ele. Entre nós criou-se uma união muito forte, éramos uma família que se amava. Isso porque o filho do patrão, por um tempo, respeitou minha mãe. Foi estudar na capital e ia pouco a fazenda”.
“Mas logo ele, o filho do patrão, ia voltar em definitivo pra ser o prefeito da cidade. Poucos dias antes, o capataz da fazenda foi até a nossa casa e arrancou Pedro de lá. Nunca mais ouvimos falar dele. Aquilo acabou com minha mãe e feriu meu pai mortalmente. Os dois se transformaram em pessoas tristes, desiludidas, o sofrimento aparecendo na cara. Meu pai começou a beber muito. E pra piorar o filho do homem quis ter minha mãe outra vez, e nem o pai dele conseguiu tirar isso de sua cabeça”.

“Não tinha como fugir de lá, arrumar outro trabalho por perto. Vigiavam a gente o tempo todo. E toda vez que minha mãe era obrigada a ir para a casa do patrão, voltava irreconhecível graças aos maus tratos e abusos que sofria”.
“Numa dessas, um dia que o pai do desgraçado estava lá com visitas importantes, porque então ele morava em Brasília, ganhou eleição pra Deputado. Mas naquele dia, meu pai bebeu mais da conta e foi lá desafiar o filho do homem. Foi morto na frente de todos os empregados; obrigados a dizer que foi legítima defesa do capataz”.

“No outro dia, no enterro que era na fazenda mesmo, quando passamos com o caixão do meu pai em frente à casa da sede, a casa grande, ele estava lá. Os outros já tinham ido embora, mas o filho do patrão, o futuro prefeito foi até a varanda ver a passagem do corpo, mas o que ele viu mesmo, foi uma menina, a filha da italiana, como chamavam minha mãe. Nunca, enquanto viver, vou esquecer o jeito como ele olhou pra mim”.
“Eu estava com quase dez anos e o corpo já formado. Olhei pra minha mãe e vi no rosto dela o maior desespero que jamais voltei a ver em nenhuma expressão”.

Assim começa esta história...

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