Vamos voltar à história de Aniella. Para recapitular: a moça conta a aventura em que se transformou sua vida, simplesmente por ser mulher.
No último episódio, podemos chamar assim, Ane conseguira fugir dos horrores da fazenda, onde vivia subjugada e violentada pelo patrão, um homem a caminho do poder municipal. Com uma estratégia ousada e corajosa, pegou uma carona e chegou, depois de alguns dias de viagem, ao Rio de Janeiro.
Pedi a ela que continuasse a história. A simples lembrança devolvia à tona o circo de horrores ainda tão latente em sua alma. Mas tomada pela força que a fez sobreviver contou e repasso da melhor maneira possível:
Uma loura grande, opulenta, apresentou-se a ela como a proprietária do restaurante. A hora era inconveniente para uma refeição, há pouco acabara de servir o almoço e nem começara a pensar no que servir para o jantar. Mas, poderia preparar algo especial para ela, que parecia faminta e desamparada. Ane ficou comovida com a boa vontade da senhora, por instantes desejou que fosse uma tia, ou até mesmo a amiga que nunca tivera. Aceitou de bom grado a oferta e pouco depois tinha diante de si uma refeição farta e saborosa. Enquanto comia Rosângela lhe fez companhia. Contou uma história muito parecida com a sua, de como veio do interior para tentar a sorte na cidade grande, falou das dificuldades pelas quais passara por um longo tempo, sem ao menos um lugar onde dormir. Dramatizou sobre as investidas de malandros que a viam como uma presa fácil. Como sonhara que aparecesse alguém que lhe estendesse a mão, a aconselhasse, oferecesse oportunidades. Por tudo isso sempre que conhecia alguém na mesma situação, que quisesse ser ajudada, fazia por ela, porque muitas acreditavam na sorte e desdenhavam a mão estendida. Depois voltavam arrependidas. Algumas nunca mais. Porém, para as que aceitavam o amparo, não media esforços para que a pessoa nunca passasse pelo o que ela tivera que passar.
Ao final da fala da senhora, Ane já
não conseguia engolir a comida, a emoção formava um bolo em sua garganta. Que
vontade de abraçá-la, agradecer por falar com ela, por mostrar que nesse mundo
tinha sim, gente boa de bom coração. Tímida, envergonhada pelos olhos
marejados, disse qual uma criança querendo se mostrar capaz, que poderia pagar
pela refeição. Olhou a sua volta, e como não havia mais ninguém, tirou o maço
de dinheiro embrulhado em papel ordinário. Lembrava-se até hoje da expressão de
espanto da senhora, da frase dita com a mão cobrindo a boca: “minha filha do
céu, de onde veio isso?” Imediatamente recusou o pagamento, disse que fazia de
bom grado, que gostara dela. E completou: “Agora que já comeu conta sua
história, como uma mocinha tão graciosa veio parar aqui?” Ane ainda não atinara
o quanto precisava desabafar, confiar a alguém a triste história de sua vida
curta e sofrida. Ao terminar o relato sentia-se leve, chegara a rir para
finalizar dizendo: “e aqui estou pronta para uma vida nova”.
Começava aí o que Aniella chama de segunda fase, tão sofrida quanto a primeira, mas com um detalhe, já não era mais uma menina inocente.
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