Mariluce, moça cheia de atributos, sem segredos e muito à vontade no jogo amoroso.

Era um sábado chuvoso, frio, cinzento, perfeito para um crime. Mariluce estava naqueles dias e já brigara comigo a manhã inteira. Achei melhor sair antes que cumprisse a promessa de fazer greve. A greve dela é mortal, total, apocalíptica, simplesmente passa a usar camisetas com mangas ou meias mangas, me privando impiedosamente de suas axilas perfeitas e cheias de personalidade, o espetáculo recôndito de sua anatomia, onde primeiro meus olhos pousaram, para depois percorrer, já encantados, sua geografia fascinante.
Corri até o bar do Xará, deserto àquela hora, ainda cedo para o almoço de sábado e mais cedo ainda para se estar acordado. Fino me recebeu com cara de sono e a preguiça que a chuva provoca. Como sempre faz, trouxe uma caipirinha de lima, e como não havia fregueses sentou-se apoiando o queixo na mão, cotovelo na mesa, olhar nostálgico.
“Sabe Silva, às vezes sinto uma saudade danada da minha primeira mulher. A gente não se entendia, mas ela era uma coisa de deixar qualquer um maluco. Brava que só ela, mas também um furacão, chegava a me queimar”. Ele descrevia a mulher, floreando, filosofando, viajando, gerundiando tudo o que tinha direito.
O papo me deixou maluco. A voz do Fino ficou longe, espacial. Comecei a lembrar dos momentos mais felizes da minha vida:
Ainda estava na polícia e em meio à investigação do desaparecimento de um gringo, visto pela última vez na quadra de uma escola de samba. Fomos, Dimitre e eu, a um ensaio em pleno sábado, meses antes do carnaval. Na quadra lotada acontecia a escolha final do samba-enredo, o momento mais importante para a comunidade, antes do desfile na Sapucaí. Fizemos nosso trabalho conversando com uns, interrogando outros, mas não foi possível ficarmos alheios ao que acontecia. Quando o samba que seria o escolhido mais tarde estava sendo apresentado, meu parceiro gritou no meu ouvido: “olha só aquela morena sambando ali”. Olhei e pensei: “Como você existe e eu não sabia?” Se há harmonia nota dez, ali se apresentava em forma de mulher.
Dei por encerrada a investigação e improvisei um jeito de me aproximar da moça. Em lugares como aqueles é preciso ser cuidadoso, as mulheres em geral estão acompanhadas e normalmente os acompanhantes não estão dispostos a estabelecer nenhum tipo de negociação. Observei-a por algum tempo e percebi que não estava indiferente a mim. Arrisquei um sorriso, o mais sincero que eu levei e imediatamente entendi que o terreiro estava desocupado. Ela sorriu e trocou olhares com a amiga que sambava ao seu lado. Nada mais revelador e indicativo.
Cheguei junto, mas como era impossível conversar ao lado da bateria, grudamos nossos olhares e evoluímos rapidamente. Uma torrente de sensualidade nos levou noite à dentro, ao ritmo do surdo e nos movimentos do corpo da moça chamada Mariluce. Assim que o samba foi anunciado como o vencedor, corremos para a nossa urgência física, que era o que realmente interessava. Passada a necessidade de troca mais biológica, nos entenderíamos intelectualmente, sem pressa, nenhuma cobrança, apenas dando chance ao prazer. E assim foi pelo final de semana e depois continuou, melhorando e subindo o grau de intensidade até não existir mais nenhuma possibilidade de distância entre nós. Só posso afirmar que aquela teoria da física foi derrubada, dois corpos ocupam sim um mesmo espaço ao mesmo tempo.
E assim tem sido, desde então, a minha vida com Mariluce, moça cheia de atributos, sem segredos e muito à vontade no que se refere ao jogo do amor.
Na comemoração de uma semana juntos, levei-a a um restaurante chic na zona sul, um que fica no primeiro andar de um prédio antigo, subindo para o bairro de Santa Teresa.
Nossa entrada foi um estrondoso sucesso. Senti o gosto, mais uma vez, de ser o coadjuvante mais invejado da noite.
O garçom nos acomodou numa mesa central, de propósito, não se pode privar quem quer que seja daquela visão. Trocamos algumas palavras, carícias e bebericamos um vinho, uma concessão minha. A caipirinha de lima teria que esperar.
Finalmente escolhemos os pratos. Brindamos com o vinho, voltamos à troca de carinhos contidos, mas Mariluce não impunha censura em suas arremetidas sensuais.

Passou a me acariciar por baixo da mesa, com o pé. Aliás, um pezinho maravilhoso. Deixou-me num estado de excitação total. Em seguida aproximou seu rosto do meu e disse baixinho: “Tira, quero acariciar”. “Aqui não, Mari. Pelo amor de Deus”. Mas falei sem nenhuma convicção. A nossa volta, ninguém parecia notar. Os casais comiam e conversavam tranqüilos. Os garçons movimentavam-se compenetrados equilibrando as bandejas. “A toalha é comprida. Tira”. Ela ordenou com a carinha mais inocente do mundo. Não resisti e imediatamente o mundo exterior desapareceu. Ela tem uma técnica com os pés, que é uma coisa alucinante. Fechei os olhos e entreguei o que restava de bom senso e compostura àquela “penipulação”. Um pé apertava, o outro acariciava, com os dedos beliscava a pele, depois com a sola de um dos pés, fazia o movimento pra cima e pra baixo, apertando o suficiente. Movimentos lentos que ia aumentando, enquanto pressionava mais. Perdi o controle e só abri os olhos ao ouvir ao meu lado a voz do “maître”, que dizia: “Senhor, está tudo bem?” Olhei para a Mariluce que se divertia, mantendo um ar angelical. Nas mesas vizinhas, as pessoas olhavam, algumas divertidas, outras sisudas. Imediatamente recuperei o controle e respondi que estava tudo bem. Lancei um olhar mortal para a Mari. Dei um jeito de guardar e puxar o fecho.
“Já escolhemos”. Disse ao “maître”, sem a menor idéia do que havia escolhido.
Mariluce agiu rápido e fez o pedido, acalmando o homem, que estava a ponto de sugerir que nos retirássemos.
Assim que ele se afastou, Mari me perguntou, com seu jeito brejeiro:
“Quer terminar o que começamos?”
Não pude deixar de beijá-la, o que provocou um novo alvoroço no restaurante. Fomos atendidos com presteza e caras feias.
Comemos o nosso maravilhoso “steak tartar”, bebemos o vinho e de sobremesa uma deliciosa mousse de chocolate.
“Ela estava maravilhosa”. Fino concluía sua estória. Concordei com ele: “Sem dúvida Fino, ela é maravilhosa”.
Ilustração: Murilo Martins
Revisão : Nancy Soares
Um comentário:
Nossa que poder de sedução...kkkk,será que todas Mariluces tem esse poder?
Estou podendo e não sabia.....kkkkk
Uma leitura muito envolvente e rica em detalhes gramaticais!
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