domingo, 29 de maio de 2011

Vida de escritor (2)

A primeira vez que alguém se mostrou interessado em algo que escrevi, eu estava lá com meus 14 anos. A professora do colégio entrou na sala, com seu jeito de terrorizar os pobres alunos e antes mesmo de chegar a sua mesa ordenou:
- Redação. Façam o perfil de um amigo ou amiga em 15 minutos. Vale nota.

O vale nota dela queria dizer, escrevam direito, sem erros, me façam entender o que contam e, principalmente, saibam do que estão falando. Disparava o cronômetro e um quarto de hora depois recolhia as folhas. E ai de quem não entregasse.

Pois foi num clima de terror desses que no dia seguinte, dona Neide, era o nome da fera, puxou da pequena pilha uma das folhas e leu o texto para toda a turma, sem dizer de quem era. Foram os minutos mais terríveis de toda a minha existência, até agora. Me reconheci na primeira frase e não respirei até que ela lesse a última. Os colegas se entreolhavam com aquela expressão de quem será este babaca?
Até que terminasse a leitura, e os trinta segundos após, nossa amada mestra não deixara claro se lia por gosto, ou dava vasão a uma espécie de instinto assassino, sádico. Ao terminar ergueu-se da cadeira, a folha na mão elevada sobre a cabeça. Os olhos injetados perscrutando a turma, como se tentasse descobrir de quem era aquela atrocidade. Quando seus olhos aterrissaram em mim, eu dizia uma oração, baixinho: Deus, se o senhor existe mesmo, pelo amor a você mesmo me mate agora, de qualquer jeito.
Com a insistência do olhar de dona Neide sobre um único aluno, todos os outros convergiram para o mesmo ponto. Era o fim de uma vida curta. Então, ao contrário da costumeira voz tonitruante, falou suavemente:
- Aqui está um exemplo de pura criatividade. Não é nenhum primor de texto, longe disso, mas antes é um texto que podemos ler até com certo prazer. Parabéns!

Claro que o resto do ano foi de pura, refinadas e grotescas gozações. Mas não posso negar que a partir daquele dia me senti um escritor. Um cara diferente, com algo mais a oferecer.

Hoje, distante, muito distante daquela época considero que por alguns dias vivi de escrever. Quero dizer, me dei bem com algumas colegas.

É fato que não ganhei o tal do dinheiro que nos faz viver do ofício. Nenhum professor me tratou diferente, tanto que levei pau em matemática. No entanto, ter o trabalho reconhecido, ter alguém que diga: você leva jeito pra coisa, não tem preço. É quase tão bom quanto o crédito em conta.

Continua...

Um comentário:

Margareth Cendon disse...

Legal, Simas! O reconhecimento realmente nos torna mais felizes e muitas vezes e o que nos faz acreditar que somos bons no que fazemos.