domingo, 23 de outubro de 2011

A história de Ane 3 - Aqui estamos nós...

                                                   Foto da internet - sem crédito

     

Após ter desafiado minha imaginação, Ane pediu um tempo e retirou-se por alguns minutos. Confesso que estava curioso pela sequência da história, uma vez que tinha diante de mim, uma mulher, jovem, linda, determinada e com jeito de quem deu uma virada na própria vida.
    Ela voltou e trazia uma velha bolsa que colocou sobre a mesa, sem qualquer alusão sobre o que guardava ali. Sorriu uma tímida desculpa pela interrupção e retomou o fio da meada:

     — Na mesma noite fui arrancada da casa de minha mãe e levada de volta pra
fazenda. Os dois próximos dias mostraram o quanto os homens podem se aproximar das bestas, o quanto podem ser cruéis.

    Claramente a lembrança estampava em seu rosto um tênue, mas decisivo horror, daqueles que permanecem grudados à alma enquanto se respira.
    Decidi não expor aqui o que ouvi, basta ler a o próximo parágrafo para se ter ideia da dimensão da violência:
    
    — Depois disso fiquei por mais de um mês na Santa Casa, cuidada pelo médico, mas isolada do mundo, longe da minha mãe. Por sorte, o médico, um velho que vivia bêbado, sabe-se lá porque, se dedicou ao meu caso vinte e quatro horas por dia. Por várias vezes impediu que eu fosse retirada da enfermaria e levada de volta à fazenda. Fiquei bem, graças a ele, sem marcas visíveis, embora nunca mais possa ter filhos. Mas quer saber? Fico aliviada de nunca botar filho nesse mundo.

    Perguntei quando conseguiu se livrar.

    — Cinco anos depois. Durante esse tempo fiz o trabalho pesado da casa,
incluindo aí as noites intermináveis com o patrão. Certo dia o desgraçado me mandou pra cidade com o capataz, disse que
confiava em mim e que a partir daquela data seria a secretária dele. A obrigação era depositar o dinheiro no banco e fazer algumas compras. Escondi o dinheiro na calcinha e, já na cidade, disse ao capataz que havia esquecido na fazenda. Usei todo o charme pra convencer o cara a ir buscar antes que o patrão acabasse comigo. O idiota foi acreditando em algumas promessas que fiz. Peguei uma carona com um vendedor de máquinas agrícolas e sequer olhei para trás.

    Seria a redenção se houvesse um mínimo de justiça entre os homens. Se na selva
civilizada não existisse a cultura do macho que caça a fêmea para seu prazer e lucro.

    A história de Ane no Rio de Janeiro, onde a encontrei, é outro capítulo. Mais adiante falaremos, ela e eu, sobre as novas batalhas.

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