Há dias durante o almoço, minhas duas filhas, 15 e 12 anos,
perguntavam sobre este trabalho que desenvolvo agora. Queriam saber do que
falava o Aqui estamos nós... A mais velha lê regularmente o blog, comenta e até
compartilha nas redes sociais.
Como de costume, nossas conversas à mesa se prolongam além
do cotidiano. Falamos de tudo em papos abertos e esclarecedores. Expliquei a
motivação, em parte, exatamente por ser pai de duas garotas que começam a
“sair” para a vida, a “trocar” socialmente. Falei um pouco das pesquisas realizadas por entidades e órgãos oficiais, contei casos conhecidos, mas mostrei também as conquistas, os avanços e os exemplos.
Em casa, as duas tem um ótimo exemplo, a mãe médica que trabalha fora e ainda cuida da casa e é absolutamente presente na educação e na formação de ambas.
Dias depois tivemos, ao vivo, bem debaixo de nossa janela,
em Ipanema, o exemplo negativo:
No final da manhã ouvimos gritos vindos da rua. Uma voz
desesperada de mulher protestava contra alguém que ameaçava a amiga. Curiosos,
chegamos a tempo de assistir a todo o desenrolar da cena. Um homem negro, muito
forte e bem vestido, segurava uma moça loira,
aparentemente drogada, ou alcoolizada. A outra, que se manifestava,
dizia que ia chamar a polícia, que ele largasse a amiga, que parasse de
agredi-la, que era um covarde.
Logo juntou uma pequena multidão para assistir, à distância,
o triste espetáculo. O homem tentava se
desvencilhar da amiga e puxava com força a loira, que acabou caindo de costas
na calçada. Nesse momento chegou um carro da polícia militar. A amiga disse ao
homem: “agora vai se ferrar, acabou de agredir ela na frente da polícia”.
O policial desceu, com a arma na mão. Pra nosso espanto,
repreendeu a amiga e a afastou do casal. Inconformada a moça gritava o absurdo
da situação. O policial falou com o homem, pararam um táxi, o homem enfiou a
loira no banco de trás e entrou em seguida . Com a “proteção” do policial o
táxi partiu. O policial voltou-se para a amiga e mandou que ela calasse a boca
e fosse cuidar da própria vida.
Minha filha ficou num estado de indignação compatível com o
que acabara de ver. Experimentava, pela
primeira vez, a sensação dolorosa de impotência.
Falamos muito sobre aquele exemplo, de como a coisa funciona,
bem ali debaixo da janela. De como estamos distantes da justiça e presos a esta
maldita cultura de impunidade, principalmente quando se trata de violência
contra a mulher. Mas nem tudo está perdido. Minha filha concluiu com a frase: “Enquanto precisarmos de proteção nada vai mudar. Temos é que virar esse jogo”.
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