quarta-feira, 7 de março de 2012

Aqui estamos nós... Simplesmente MARIA!


O texto a seguir é a abertura do segundo volume (Livro 2) da trilogia “Aqui estamos nós...”, em fase de conclusão, a ser editada ainda este ano pela Editora Subtítulo. É de autoria da personagem Joele Rocha, jornalista e sócia da Agência Rian.
Publico em homenagem a semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher: 8 de março.
                                             São tantas as Marias, mais do que se pode contar, muito mais do que se consegue nomear, acrescentar sobrenome, dar uma feição, um perfil. Acabam todas iguais, em estatísticas, números e listas. A maioria nos prontuários dos hospitais, centenas nos obituários, e absolutamente todas com suas vidas destroçadas.
                 Quase todas...
E quantas dessas Marias você conhece?
Quantas vezes ouviu falar, ou leu sobre elas?
No mínimo franziu o cenho enojado pelo relato.
Pelo menos uma vez já se surpreendeu ao se dar conta que bem perto, ali na casa do vizinho, na família de um parente próximo, no apartamento chique do grande amigo, no lar do seu chefe, na comunidade onde mora a sua empregada doméstica, em todos estes lugares mora uma Maria.
São muitas as Marias, são muitas as histórias.
Esta seria mais uma história como as outras, se a Maria da vez não fosse quem é.
Mas quem é? Uma guerreira? Uma super mulher? Daquelas conhecidas que estão sempre em evidência? Mulher pobre, do povo, que por acaso e sorte foi pinçada pela mídia para uma semana de exposição e sensacionalismo? Quem é afinal?
Esta Maria é cearense de Fortaleza, classe média, farmacêutica bioquímica, entusiasmada pela profissão, uma mulher, como as outras, cheia de vida, desejos e sonhos. Um deles foi fazer Mestrado na USP em São Paulo. Para bancar a aspiração batalhou em dois empregos enquanto se aprofundava nos estudos. Dia e noite sem trégua?, o que importava se buscava seu nobre  objetivo?
Lá conheceu um estudante de economia. Um rapaz bonito, sedutor, o tipo exato que nós mulheres procuramos para que nos tirem da torre, onde, apesar de tudo ainda nos prendemos com grades de esperança.
Os sonhos se realizavam: estudos, trabalhos e finalmente um companheiro para dividir a vida, para projetar um futuro, viver com um pouco de prazer.
A alma feminina acolheu e abriu o caminho para o parceiro. Bancou o futuro dele, pensando neles. Protegeu, amou, se doou. Trouxe à família seu marido, o pai de suas três filhas. Foi recebido como o homem escolhido para conviver no seio desta família, estruturada e unida.
Mas assim como se realizou, o sonho se decompôs.
Estabilizado, financeiramente estável e com o moral alto, o seu homem revelou o verdadeiro caráter. Em pouco tempo arrastou toda a família para o martírio da violência física, moral e psicológica. Maus-tratos, brutalidade, medo e crianças dilaceradas pelo terror.
Uma noite, a Maria que ainda tinha esperanças de reencontrar o homem, gentil e amoroso, a quem oferecera muito mais do que o coração, acordou com um tiro nas costas. Assim mesmo sobreviveu paraplégica para sempre, à duras penas, porque, igual a todas, tinha um destino a cumprir.
Começava ali, para esta Maria outra vida, não uma nova, mas outra vida,  outra guerra, em que as batalhas recrudesceriam. Sua luta não seria por vingança, mas pelo futuro das filhas, por uma causa, por mais uma revolução feminina. Para atenuar o sofrimento de tantas Marias que ainda existem por aí.
Contra as estatísticas oficiais, contra a cultura ancestral, o medo e a vergonha, as humilhações e o estigma, esta Maria se apresentou à sociedade, ofereceu nome, sobrenome e um rosto, não a outra face, mas a cara com a qual enfrentaria a cultura machista, a burocracia viciada, o descaso e até, por incrível que possa parecer, a conivência, ou ainda a indiferença de autoridades que deveriam zelar pela justiça.
Esta incansável Maria não é mais do que as outras. Se pudesse escolher jamais se tornaria quem se tornou. Agora é um nome que salva, que redime e possibilita a milhares de mulheres reassumirem a própria vida, com a palavra que jamais deveria ser preciso reivindicar: DIGNIDADE.
Após a longa e sofrida batalha, cercada de completos absurdos, como o que manteve em liberdade o seu agressor, Maria conquistou muito mais do que uma vitória pessoal. Em 7 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei n°11.340, que recebeu o nome de Lei Maria da Penha. Dentre várias mudanças promovidas pela lei está o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar.
A Lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006. Vinte e três anos após o atentado sofrido por Maria da Penha Maia Fernandes.
A despeito disso, nos últimos anos, foi registrada nas delegacias das mulheres, no Brasil, a média de mais de quatrocentas mil queixas de mulheres assediadas, molestadas, espancadas, sem contar as milhares que ainda não tem coragem de denunciar e as dezenas assassinadas pelos companheiros ou ex-companheiros.
Muito ainda precisa ser feito na base da sociedade, na educação de nossas crianças, no cotidiano das relações entre os sexos. Mas aí está um exemplo de coragem de uma simples Maria, esta sim, uma heroína de verdade, de carne e osso que, como tantas, esteve frente a frente com a face grotesca do machismo, uma doença na qual a sociedade precisa dar um BASTA!
Imagem da internet - sem crédito

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